Coluna: O Som da Coisa - por Herom Vargas
16/3/2009
O meteoro Secos & Molhados
No início dos anos 1970, um grupo paulista conseguiu unir criação artística, ousadia intelectual, provocação e sucesso de público ao misturar poesia com canção, abusar das maquiagens (alguns dizem que bem antes do Kiss!) e produzir uma performance de palco cheia de androginia. Estou falando do Secos & Molhados, composto por João Ricardo – mentor e um dos principais compositores –, Gerson Conrad, Marcelo Frias – que saiu logo depois do começo da história – e do cantor Ney Matogrosso.
Quem começou tudo foi João, mas o grupo só pegou forma quando ele se encontrou com Gerson e Ney. Os primeiros shows ocorreram no Kurtisso Negro, um bar no Bixiga, em São Paulo, e na Casa de Badalação e Tédio, espécie de anexo do teatro Ruth Escobar, também na cidade. Por causa do efeito “boca-a-boca”, o empresário Moracy do Val ampliou os espaços de apresentações do Secos até que foram convidados pela Continental para produzir o primeiro álbum.
Esse trabalho (LP ainda!) foi gravado entre maio e junho de 1973 e lançado em setembro, com direito a clipe no programa Fantástico, da TV Globo. Foi um grande sucesso, com as músicas O Vira e Sangue Latino sendo tocadas em rádios, entrevistas em programas de TV e shows lotados.
As polêmicas perfomances de Ney e sua voz de registro mais agudo provocavam polêmicas pela inovação no uso do corpo no mundo pop. A musicalização de poemas de Vinícius (Rosa de Hiroshima), Bandeira (Rondó do Capitão), Cassiano Ricardo (Prece Cósmica e As Andorinhas) e do poeta e jornalista português João Apolinário (Amor e Primavera nos Dentes) por Gerson e João Ricardo mereceram discussões. A criatividade dos arranjos musicais (na música Fala, o arranjo foi de Zé Rodrix, que também tocou piano no disco) também ganhou destaque na época. Outra novidade foi a capa que trazia uma inventiva foto com as cabeças dos quatro músicos em bandejas sobre a mesa em um banquete.
Esse primeiro álbum foi um dos grandes sucessos do início da década de 1970 e, por conta disso, chegaram a fazer até uma turnê pelo México com grande repercussão. No entanto, algo no percurso parecia errado. Algumas desavenças surgiram e as sessões de gravação do segundo trabalho foram conturbadas. Ney Matogrosso já não se sentia no grupo, a ponto de João Ricardo ter ficado responsável pela produção.
No início de 1974, assim que esse segundo disco chegava às lojas, anunciava-se o fim do Secos & Molhados, com cada um indo para seu lado. Mesmo nessas condições, o LP manteve a alta temperatura da criatividade, com destaque para a canção Flores Astrais, outro poema de Apolinário.
Para os interessados, os dois discos estão em CD e há imagens no youtube!
Herom Vargas, é doutor em Comunicação e Semiótica e professor nos cursos de comunicação da USCS e da Universidade Metodista de S. Paulo. Já tocou em vários bares da vida e, atualmente, pesquisa música popular. Fale com o Herom: redacao@entermagazine.com.br
|