Coluna: O Som da Coisa - por Herom Vargas
 
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Coluna: O Som da Coisa - por Herom Vargas
17/6/2009


Tempo, tambor de todos os ritmos

Falar sobre o tempo não é tarefa fácil. Os mais práticos e racionais, pensando obviamente nas voltas do ponteiro do relógio, vão dizer que é apenas a sucessão linear, progressiva e irrevogável dos instantes. Os enamorados, por terem se perdido nele, dizem que simplesmente não existe. Os jovens o esperam com ansiedade e os velhos já o conhecem muito bem. Finalmente, os físicos lembrarão Einstein e solucionarão o problema dizendo que ele é relativo.

De muitas dessas visões sobre o tempo, esta última me parece a mais interessante e poética, pois é aqui que a ciência alcança a arte. Ser relativo significa variar conforme outras regras, não existir por si só, de maneira autônoma, mas em contato com outras dimensões.

Essa riqueza de conceitos e entendimentos faz do tempo um tema interessante para os grandes poetas. E, se eles trabalham com a melodia, melhor ainda! Pois é o caso da canção Oração ao Tempo, de Caetano Veloso, gravada no disco Cinema Transcendental, de 1979.

A letra foi construída toda em versos de sete sílabas poéticas (contadas até a última sílaba tônica), chamado de redondilha maior, ou heptassílabo. Lembre-se das aulas de literatura na escola e saiba que o número de sílabas e a disposição de seus acentos tônicos é o que dá ritmo ao poema. E ritmo (padrão fluente e que se repete na música) é um conceito musical baseado no tempo! A letra se divide em dez estrofes, cada uma com cinco versos. Nessas estrofes, o terceiro e o quinto versos têm as palavras “Tempo, tempo, tempo, tempo” (também com sete sílabas) que reiteram o tema ao ouvinte.

Se lermos a tal “oração”, percebemos que o autor quer fazer um pedido ao tempo e, para tanto, ele o elogia com metáforas e homenagens: “És um senhor tão bonito / Quanto a cara do meu filho / Compositor de destinos / Tambor de todos os ritmos / Por seres tão inventivo / És um dos deuses mais lindos”.

A vontade do poeta é simples e aparece mesclada ao seu tempo de vida: “Peço-te o prazer legítimo / E o movimento preciso / De modo que o meu espírito / Ganhe um brilho definido / E eu espalhe benefícios”. Pede silêncio e segredo ao Tempo e alerta para o fim que ocorrerá após a sua morte: “E quando eu tiver saído / Para fora do teu círculo / Não serei nem terás sido”.

A melodia, da mesma forma que a letra, é repetitiva e tem andamento lento como um salmo religioso cantado. Ela não enfatiza a si própria, quase não aparece em destaque. Sua beleza e sua leveza é que soam nos ouvidos. Assim, permanece a conversa doce com o deus Tempo, finalizada com a reiteração da poesia na canção: “Portanto peço-te aquilo / E te ofereço elogios / Nas rimas do meu estribilho”.

Tempo, tempo, tempo, tempo...

Herom Vargas, é doutor em Comunicação e Semiótica e professor nos cursos de comunicação da USCS e da Universidade Metodista de S. Paulo. Já tocou em vários bares da vida e, atualmente, pesquisa música popular. Fale com o Herom: redacao@entermagazine.com.br

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